“Ano novo, vida nova”. Expressão batida, usada com frequência nessa época de virada de ano – ainda que apenas em pensamento. A ideia de que no final de um ciclo ou período tudo pode se renovar está ancorada nas profundezas das relações humanas.
Talvez por isso sejam tão comuns os juramentos e promessas à beira mar na noite de Réveillon. Daquele que decide parar de fumar ou começar uma dieta, até aquele que decide reinventar o mundo – mudar de vida, de amigos, de carro, nome e endereço –, todos se sentem tentados a, se não vislumbrar, ao menos esboçar uma vida nova na contagem regressiva para o ano que vai nascer. Embalados pelas canções de fim de ano, que esperam “que tudo se realize no ano que vai nascer”, nós entramos no ritmo das promessas de fim de ano.
Diante das questões apresentadas, podemos nos perguntar: por que tanta urgência de mudança? Podemos elaborar uma resposta a partir de algumas descobertas da psicanálise.
É de amplo conhecimento que a realização de qualquer ambição, sonho, projeto ou desejo sempre começa com uma escolha. Nossa experiência concreta cotidiana nos prova isso.
Uma das principais descobertas da vida é a de que o mundo ao nosso redor não vai parar para atender aos nossos anseios. Cada decisão tomada muda nossa vida cotidiana, no intuito de alcançar o que buscamos. Ou seja: somos nós que abrimos mão de rotinas, hábitos, preferências em prol de um espaço para algo novo. Tal mudança nunca é realizada sem certa dose de nervosismo, medo ou angústia.
Logo, realizar uma promessa que fizemos a outrem ou a nós mesmos, fazer uma escolha determinada é um ato de mudança e transformação subjetiva. Essa é a mudança causadora de sofrimento inicial. Há muitas resistências – provenientes do próprio Eu da pessoa – na hora da mudança.
Portanto, cuidado: adiar uma decisão para o ano seguinte, ou para o dia do aniversário ou qualquer outra data que não a do momento presente, é uma maneira de evitá-la. Um modo de colocar o desejo no horizonte e deixá-lo simultaneamente à vista e distante. Fazer uma promessa já é uma maneira de evitar que a mudança se realize. O limbo ou as brumas do futuro são o único lugar por ela habitado: “quando eu ganhar um aumento, farei uma dieta, cuidarei de minha saúde”; “quando eu encontrar o meu amor, serei mais compreensivo e generoso com as pessoas”; “ao arrumar um emprego melhor, trabalharei com maior dedicação”, etc.
Podemos concluir que é a realização de um desejo temido, considerado impróprio ou mesmo proibido, que se busca evitar com o adiamento – o deslocamento para o futuro condicional.
Sobre esse tema, a psicanálise apresenta um vasto campo de tratamento. Falar a um analista sobre o adiamento de suas escolhas é uma maneira de começar e encará-las e deixar de evitá-las. De fato, trata-se de um primeiro e importante passo: ao invés de repetir o adiamento da escolha, fala-se sobre esse adiamento, questionando-o e rompendo com a repetição neurótica.
Desse modo, a escolha evitada ou adiada ganha um lugar, uma presença simbólica na vida cotidiana, e começa a tomar forma no tempo presente. Isso ocorre durante a sessão da análise, momento em que essa escolha é reconhecida diante de um outro – o analista.
Por mais simples ou trivial que pareça esse primeiro passo, deve-se ressaltar a sua importância, frisando o seguinte: sempre que falamos a alguém sobre nossos sonhos, ilusões e desejos, nós tornamos esses componentes da vida psíquica mais reais e efetivos em nossa vida cotidiana.
Portanto, a partir da experiência da psicanálise, é correto dizer que esse é sempre um passo decisivo e certeiro.